Ansiedade e a Versão Antiga de Si: Quando o Silêncio Traz Vozes Esquecidas
Vivemos numa época em que parar é quase um pecado. Férias viram tempo “útil”. Folga se converte em oportunidade de “adiantar as pendências”. E o simples ato de descansar se mistura com culpa. O que isso nos diz sobre a ansiedade nos dias atuais?
Em muitos casos, a ansiedade não nasce apenas do excesso de tarefas, mas do silêncio que se impõe quando elas cessam. Quando não há demandas externas imediatas, surge um tipo de vazio que não é neutro — é povoado por memórias, exigências internas, fantasmas emocionais.
É nesse intervalo que muitos percebem: “Quando sobra tempo para pensar, quem aparece é a versão antiga de mim.”
Essa versão antiga geralmente não é visível no cotidiano corrido. Ela se esconde atrás da produtividade, do controle, das tentativas incessantes de “dar conta”.
Na escuta clínica, ela costuma emergir com formas variadas:
– a criança que aprendeu a não incomodar,
– a adolescente que silenciou suas angústias para não trazer mais problemas à família,
– o adulto que ainda se sente culpado por simplesmente existir sem estar sendo útil.
A ansiedade, nesse sentido, não é só medo do futuro.
Ela também pode ser o efeito psíquico de um passado não elaborado, que insiste em retornar cada vez que o presente desacelera.
E o que fazer com isso?
A psicanálise não oferece soluções prontas, mas caminhos de escuta.
Ela propõe que possamos olhar para essa “versão antiga” com menos julgamento e mais curiosidade:
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O que ela ainda precisa?
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O que ela tentou fazer para ser amada?
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Será que ela ainda precisa viver em estado de alerta?
Refletir sobre a ansiedade hoje é refletir sobre quem fomos obrigados a ser para sobreviver emocionalmente.
E talvez, só talvez, o verdadeiro descanso não esteja apenas em desligar os dispositivos ou sair de férias.
Mas em permitir que partes nossas que viveram sob exigência extrema possam, finalmente, parar.
Parar sem culpa.
Sentir sem se justificar.
Ser, mesmo sem estar produzindo.
Psicologa: Aline Jaqueline